21.6.04

O Dedo Divino

Ainda criança me disseram que meu maior defeito era ser curiosa demais. Sempre gostei de fuçar as intimidades dos outros, mas de maneira discreta, lendo os diários da minha irmã que ela guardava debaixo do colchão escondida, ou remexendo na caixa de fotos privadas da minha mãe. Como boa ladra que sou, sempre botava tudo exatamente no mesmo lugar e ninguém nunca desconfiou.

Quando morava em NY, subloquei o apartamento de uma lésbica judia ex-combatente da militância estudantil americana nos anos 60, e lá estavam 30 anos de diários nas estantes. Passei um ano lendo a vida dela inteira, e por mais que seja curiosa, havia coisas ali que eu preferia nem ter sabido. A intimidade das pessoas pode ser barra pesadíssima, sombria, e os diários são o buraco negro da consciência. Tenho grande apreço pela correspondência alheia também. As pessoas muitas vezes escrevem cartas de amor de que se arrependem de ter enviado, ou expõem pensamentos para um amigo longínquo que nunca teriam coragem de admitir em voz alta, ou para alguém mais próximo.

Faço isso até hoje. Acho que porque assim passo a conhecer as pessoas de forma não-mascarada, como elas são no seu estado mais cru, mais profundo, mais íntimo, mais honesto.

Isso tudo para recomendar uma leitura deliciosa: Os diários de Sylvia Plath. Esqueçam o filme com a Gwyneth. O lance são os escritos. A garota já era uma escritora madura aos 17 anos. Acho que isso me leva a crer que os grandes escritores/artistas já nascem grandes, que transformam tudo o que tocam com seu dedo divino. Não sei se é predestinação, ou simplesmente talento natural, ou mesmo trabalho. É algo inexplicável embora determinista. Ou tem o toque divino, ou não tem.

E é foda começar a entender que de repente você não tem o dedo divino. Pior é não saber o quanto precisa trabalhar para conseguir o toque divino. E nesse meio tempo, fico na sombra da alcova vendo fotos secretas dos outros, lendo os diários das outras, e enchendo páginas e páginas de cadernos até chegar a alguma conclusão sobre o que é ser profundo, honesto, e divino...

1 comment:

  1. Anonymous9:29 pm

    Acho que as conclusões nunca são encontradas. Eu gostava de compor, fazer minhas músicas, mas tinha consciência de minhas limitações e sabia que só valeria a pena se eu fosse incrível. Hoje escrever é minha brincadeira e meu prazer. Porém acredito que teu trabalho está em gestação. Você ainda está procurando entender o que é tudo o que tem feito. E a coisa vai explodir em seus olhos. Invista.
    Naldinho mblog.com/singrando

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