“É arte ou não é?”
- Chacricha, post-mortem
"Digital Stadium" é um programa de televisão (...) cujo objetivo é um ser uma revista de talentos e inovação em imagens computadorizadas, mostrando o que é considerado o melhor em uma forma de arte em constante mutação.”
Nem todo artista digital se conforma com a anonimidade da rede, e até se esconde atrás de uma farsa para atingir qualquer grau de legitimidade e reconhecimento. Um programa de TV da rede japonesa NHK chamado “Digital Stadium”, que convida o público a submeter obras digitais, e fomenta e descobre muitos jovens talentos promissores” , mostrava dois jovens apresentadores com um “artista digital” convidado a apresentar sua obra digital para os telespectadores.
A obra do primeiro artista convidado era uma animação interativa que exibia o desenho de uma figura cujo nariz crescia de acordo com a intensidade e volume do som cantarolado por um coral de 50 participantes presentes no palco. A intenção da artista era criar uma obra de arte interatva que reagisse às vozes do coral, mas o resultado era cômico, beirando o ridículo. Para complementar a performance, os apresentadores chamaram dois “curadores” ao palco para avaliar a obra com comentários e críticas de lugar-comum, elogios, adjetivando a obra como “interessante e inspiradora”.
O segundo participante era um homem de 30 anos vestindo um uniforme escolar, um símbolo de fetiche na cultura japonesa, e uma mochila com um monitor de com uma câmera na mão. A imagem do vídeo era uma cena de alunos reais fazendo chacota do seu estranho aparato televisivo, vista nas suas costas. Na câmera, a filmagem de um novo pequeno poema filmado, geralmente vídeos que registram a reação de estranhos à estranha instalação.
O programa representa um oportunismo da televisão na cooptação de algo que “está na moda”. A presença de “curadores profissionais” que “aconselham, comentam e criticam as obras digitais submetidas ao programa” é significativa para dar uma chancela de seriedade ao programa, mas em nenhum momento a identidade desses curadores é revelada. Os artistas são anônimos e amadores, mas a avaliação de um especialista do sistema de arte, neste caso, é mais importante do que a audiência do programa. Alguém tinha que dar o aval para que a obra fosse levada a sério perante o sistema, da superestrutura institucional da cultura. O programa de TV propôs uma inversão da relação entre o centro e a periferia: o sistema de superestrutura da cultura representado em um sistema periférico da comunicação de massa, banal.
O programa, ao final, é refrescante porque mostra que a arte, sob qualquer forma, não é apenas tema para especialistas e nem deve ser “contida” dentro de museus ou lugares especializados de acesso – a arte é do povo e como Joseph Beuys disse, “cada homem é um artista.” Mas a ironia está no fato que mesmo assim, eram necessários os dois curadores.
O formato quase circense do programa de televisão, quando visto como um modo de representação, parece uma crítica ao sistema de arte e dos seus sistemas de legitimação através de curadorias e concursos. Ele põe em evidência a cultura do espetáculo em torno do zeitgeist das mídias digitais levado ao extremo, como em um programa de auditório, uma espécie de Chacrinha da arte digital. Poderíamos até imaginar o Velho Guerreiro perguntando ao seu público exultante: “É arte ou não é?” (e jogando um bacalhau ao mesmo tempo.)
“Na era digital, o computador se tornou numa mídia essencial de expressão:
É uma ferramenta para manifestar nossos pensamentos e sentimentos. Talvez o que nos espera é uma Utopia luminosa, ou uma distopia, onde nosso mundo é governado por máquinas".