18.12.06

Time Person of the Year: YOU


Parabéns, você foi eleito/a a pessoa do ano segundo o TIME Magazine.

E, para minha sorte, esse fenômeno dos espaços de afeto na Internet é o assunto da minha dissertação sobre linguagens experimentais da arte na Internet e objeto diário do meu dayjob como consultora de usabilidade e arquitetura da informação.

Eu penso em nós (eu , você, e "os outros" = nós) o tempo todo. Finalmente a nossa mobilização coletiva, a imagem do nosso fluxo, a nossa máquina desejante foram reconhecidos pelo nossos esforços diários em alimentar esta invenção maravilhosa e viciante. Nós mudamos a rede (com ela e por dentro dela), transformamos a nossa relação com o conhecimento, inventamos novas maneiras de conhecer "o outro", criamos milhares de novos artistas conceituais com os youtubes e flickrs, estreitamos fronteiras, aumentamos o volume da voz política (e da estupidez também) e até ganhamos dinheiro com ela.

Não é a rede. Somos nós.

(P.S.: Alguns trechos da dissertação "Frágeis Conexões" estão postados nesse blog, aberto a comentários, que serão publicados junto com a dissertação como formato acadêmico. É inspirado no formato de Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes)

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Yes, you. You control the Information Age. Welcome to your world.

(...)
But look at 2006 through a different lens and you'll see another story, one that isn't about conflict or great men. It's a story about community and collaboration on a scale never seen before. It's about the cosmic compendium of knowledge Wikipedia and the million-channel people's network YouTube and the online metropolis MySpace. It's about the many wresting power from the few and helping one another for nothing and how that will not only change the world, but also change the way the world changes.

The tool that makes this possible is the World Wide Web. Not the Web that Tim Berners-Lee hacked together (15 years ago, according to Wikipedia) as a way for scientists to share research. It's not even the overhyped dotcom Web of the late 1990s. The new Web is a very different thing. It's a tool for bringing together the small contributions of millions of people and making them matter. Silicon Valley consultants call it Web 2.0, as if it were a new version of some old software. But it's really a revolution.

(...)

Who are these people? Seriously, who actually sits down after a long day at work and says, I'm not going to watch Lost tonight. I'm going to turn on my computer and make a movie starring my pet iguana? I'm going to mash up 50 Cent's vocals with Queen's instrumentals? I'm going to blog about my state of mind or the state of the nation or the steak-frites at the new bistro down the street? Who has that time and that energy and that passion?

The answer is, you do. And for seizing the reins of the global media, for founding and framing the new digital democracy, for working for nothing and beating the pros at their own game, TIME's Person of the Year for 2006 is you.

Sure, it's a mistake to romanticize all this any more than is strictly necessary. Web 2.0 harnesses the stupidity of crowds as well as its wisdom. Some of the comments on YouTube make you weep for the future of humanity just for the spelling alone, never mind the obscenity and the naked hatred.

But that's what makes all this interesting. Web 2.0 is a massive social experiment, and like any experiment worth trying, it could fail. There's no road map for how an organism that's not a bacterium lives and works together on this planet in numbers in excess of 6 billion. But 2006 gave us some ideas. This is an opportunity to build a new kind of international understanding, not politician to politician, great man to great man, but citizen to citizen, person to person. It's a chance for people to look at a computer screen and really, genuinely wonder who's out there looking back at them. (...)

16.12.06

Pós-humano, demasiado pós-humano

O sentido das redes para a vida hoje permite que a medicina estenda a vida que um corpo vegetativo através de máquinas e que um cadáver seja preservado em uma técnica contemporânea de embalsamento como a plastinação.

Stelarc é um artista que acredita e demonstra que as fronteiras entre homens e máquinas, arte e tecnologia, são membranas permeáveis. Reconhecido há décadas como um artista que leva a questão do pós-humano e a “terceirização” dos sentidos através da tecnologia, a sua obra gira em torno algo mais do que um uso solipsista das técnicas disponíveis.

Stelarc vê o corpo humano como uma arquitetura evolutiva, algo em fluxo e em permanente transmutação. As suas obras e máquinas-prótese põem em evidência a fragilidade do corpo humano e seus mecanismos de controle inerentes. O corpo é uma máquina que opera principalmente por movimentos espasmódicos involuntários, temperados pelo hábito de manter a máquina (ou organismo) girando – o corpo é um zumbi, puro autômato. Do ponto de vista das máquinas do desejo de Deleuze e Guattari, Stelarc se posiciona exatamente como tal: o seu corpo é uma máquina de produção.

No desejo de querer controlar a produção involuntária que é seu corpo, ele usa a tecnologia para tornar visível as possibilidades de (des)controle do seu corpo. Ao contrário da artista francesa Orlan que também usa o corpo como suporte para sua transformação/deformação estética, Stelarc não pretende modificar, inicialmente, a sua “arquitetura evolutiva”, mas sim potencializar e estender os sentidos através da mediação mecânica e eletrônica. Nesse sentido, ele está apenas continuando o que homem sempre fez, só que com os meios de hoje. Ele conclui que o ser humano sempre foi cyborg: desde a primeira pedra atirada para matar um coelho na boca da caverna o homem sempre criou instrumentos de projeção para alcançar além de seu próprio corpo.

Talvez a natureza não tenha sido suficiente conosco. Em “The Naked Ape”, Desmond Morris ressalta que nós, o macaco pelado, somos um acidente evolutivo que deu certo, o glitch na máquina de produção do gênero Homo que foi desembocar no Sapiens. Toda a nossa genialidade e diferença em relação ás outras espécies é decorrente dessa falha evolutiva. Só nos beneficiamos em duas questões: no cérebro mais capaz e no polegar opositor – exatamente as duas faculdades físicas que nos permite criar técnicas e fabricar objetos para suplementar a nossa falha em quase todo o resto. A nossa nudez nos obriga a nos vestir para nos proteger do frio ou calor, daí a invenção da costura e dos tecidos; precisamos construir abrigos contra a incerteza do clima, daí a arquitetura; a vulnerabilidade a doenças e a necessidade de combater a morte gerou a medicina; a necessidade de comunicação para transmitir códigos de sobrevivência gerou a linguagem e os sistemas de pensamento.

Jared Diamond em “The Third Chimpanzee” levantou, talvez, uma questão ainda mais fundamental para a sobrevivência da espécie humana diante de sua fraqueza biológica: o estrus (sio) feminino escondido e o coito privado. Assim foi inventado o amor, ou o desejo, ou a pura capacidade de produção. O macho que não consegue mais “ver” o sio da fêmea tem que adivinhar o seu período fértil para saber quando reproduzir. O coito privado cria exclusividades dentro do conjunto social e estimula a imaginação erótica acerca do “outro”, por extenso a força propulsora de tudo mais. Nesse complexo jogo de adivinhações e cortejamento, criaram-se códigos e comportamentos sociais que justificam a necessidade de estender-se além de si próprio, em uma espécie de darwinismo erótico em que ganha quem exibe desejo maior de sobreviver. Esse “desejo”, quando visto além da sexualidade, pode explicar

Segundo Stelarc, a tecnologia vem sublinhar esse desejo natural humano de ser maior do que si, de ser uma máquina de longo alcance. Quando ele convida usuários em 6 cidades a controlarem seus movimentos musculares á distância, músculos que são involuntariamente convidados a se movimentarem através de correntes elétricas no seu corpo, é criado um espaço de intimidade corporal entre aqueles que movimentam esse fantoche cyborg e os seus manipuladores por intermédio da rede. Nesse contato entre corpo e máquina, o clique do mouseem Berlim se trans-substancia em corrente elétrica que movimenta um músculo em Nova York. O homem, nesse caso o artista, relega o movimento do corpo à rede. O que vemos, na performance de Stelarc, é uma coreografia desses espasmos-clique que forma uma imagem da pulsação da rede através da pulsação do corpo. No caso de Stelarc o corpo é suporte e a rede é vetor.

A metáfora primata se sustenta no seguinte fato sobre essa instalação específica. Nela, os cliques na rede ativavam uma corrente elétrica que entrava pelo braço esquerdo e saía pelo direito, fazneod com que os músculso se contraíssem por condução elétrica da própria rede nervosa do corpo. Mas não pára por aí, não se trata apenas de uma dance macabre. A corrente que sai do braço direito, por sua vez, ativa uma terceira mão mecâmica acoplada a esse braço que reage a esse estímulo elétrico. Visualmente, ela é tão grande que parece a mão de um primata. Essa mão mecânica também não serve para muita coisa no mundo dos humanos pois não tem polegar opositor. A tecnologia, para Stelarc,, simboliza um eterno retorno ás ironias evolutivas do homem. Seus exo-esqueletos terminam transformando o corpo humano em si próprio, metáfora de si, uma máquina de desejo cujo objetivo é a própria produção de seus movimentos involuntários.

O espaço de intimidade, e, por extensão, do afeto, é criado na instalação de Stelarc subseqüente. Utilizando o mesmo partido de movimentação involuntária á distância e ativação do terceiro braço primal, ele acrescenta um novo elemento de proximidade: agora não basta que a sua rede neural física corresponda á rede neural telecomunicativa. Stelarc, o fantoche, quer conhecer seu puppeteer. Com um headset que transmite por webcam a imagem de quem o está manipulando, o fantoche pode começar a entender quem e o que o move, e, mais importante, porque o move. Uma espécie de boneca voodoo humana que quer conhecer seu karma.

O artista quer saber o que motiva seu corpo a se movimentar se ele não posso fazê-lo, quer saber porque Deus, o master puppeteer está fazendo isso e porque seu livre arbítrio o impede de interferir na Vontade Divina. O resultado é um espaço de intimidade comprimido no tempo e no espaço, uma imagem da rede pelo corpo e também pelo olhar. É a rede o espaço da performance, e não sómente o corpo. A performance na rede é a imagem pretendida. A rede é o vetor que envia a pulsação via as sinapses neurais da rede, enviando os impulsos da mesma forma, mas a ela se acrescenta o elemento cognitivo do conhecimento do "outro" que move a ação.

Nas obras mais recentes, o fenômeno de proximidade e da intimidade é levado ao extremo. Stelarc recentemente implantou um molde natural da própria orelha (um clone criado em laborátorio a partir da cultivação das células da própria orelha) no ante-braço esquerdo. Acoplada a essa orelha está um receptor Bluetooth, tecnologia que permite atender a chamadas telefônicas em um raio de até 10 metros do aparelho celular. A orelha clonada ouve ligações a partir de uma extensão auditiva tecnológica que integra o espaço neurológico e sensorial da rede: é um sistema integrado de telefonia biológica. O artista “ouve” pelo braço, pela sua carne fractal. Durante a palestra em que foi possível testemunhar a presença da orelha, saquei o meu telefone celular que tem Bluetooth e tentei mapear o seu dispositivo para poder fazer uma ligação “Fractal flesh” é o termo de Stelarc para designar órgãos remotos tecnologicamente conectados ao corpo, estendidos ou aumentados pela tecnologia. “O território do pós-humano podem muito bem não residir no campo dos corpos ou das máquinas mas no campo dos fantasmas – entidades inteligentes, autônomas e operacionais sustained na rede. O corpo é o lugar do ponderável e do mortal. Um avatar não tem órgãos.” Na concepção deleuziana, o avatar é o próprio corpo-sem-órgãos.

Stelarc propões um jogo de reversões que incorpora, de certa forma, as fantasias figurativas Dadá. A orelha implantada lembra as alegorias macabras de Dali, com orelhas penduradas em galhos como órgãos-sem-corpo, em uma tentativa de isolar o espaço auditivo de um corpo consciente inserido na paisagem.

11.12.06

New Media...tão "New" assim?

(Ou “peraí, o que se pode fazer com a rede que não era possível fazer antes?”)

Utilizar novas técnicas não implica necessariamente em fazer uma arte nova. Pelo contrário. Muitas vezes, o artista pode cair em deslumbramento diante das possibilidades que a tecnologia propõe e que o mercado de gadgets disponibiliza. O que caracteriza o artista, talvez, é a busca de algo que realmente represente as inquietações, os prazeres e a consciência da atualidade, seja através das redes ou não. Um artista não consegue escapar ao seu tempo – de certa forma a presença do ser no espaço e no tempo – o Dasein – é o que informa a sua experiência. Mas, quando um artista decide operar dentro de um contexto sociológico, ou um meio ou um suporte, e delineia um território e uma estratégia para sua arte, esta escolha possui suas implicações tanto formais quanto de conteúdo, narrativas, além de possuir questões políticas.

O público, por sua vez, ao maravilhar-se com a novidade técnica, pode perder seu senso crítico devido ao contágio do deslumbramento do artista, ou por pura sedução das máquinas através do hábito de apertar botões. Mas, não seria justamente esse fascínio a fonte de uma visão crítica sobre a própria tecnologia? O que importa, para o artista, é estar consciente dos anseios do indivíduo, sabedor das realidades locais e pleno dos processos no mundo. Independentemente da técnica utilizada, importa realizar um trabalho que, como conceito, esteja imerso na atualidade.

9.12.06

Ídolos

A esquerda precisa de ídolos. Quando Fidel se for, quem será o ídolo da esquerda?

Já estou imaginando o PCI (Partido Comunista de Ipanema) se reunindo nos botecos depois da praia defendendo emocionalmente as medidas do grande herói e libertador latino-americano, Hugo Chávez. Nas rodas acadêmicas da UFRJ, Chávez será laureado como nosso grande defensor contra os porcos capitalistas que só servem para nos explorar, coitados de nós.

Deus me livre.

Three threats to the Survival of New Media Art

Site genial sobre as ameaças à sobrevivência da new media art.

As ameaças são:

- arquivistas demais, "animateurs" de menos
- advogados demais, ativistas de menos
- acadêmicos demais, artistas de menos

Maneiras de conter essas ameaças:
  • Link to work you respect
  • Insist on open access
  • Contribute to the discussion
  • Wipe PowerPoint from your harddrive
Aparentemente, um new media artist usando Powerpoint é muito prego...oops....

Do Real ao Virtual

No final dos anos 80 até o início dos anos 90, curadores de arte e fotografia e teóricos começaram a analisar o significado da tecnologia da imagem digital em relação ao status e á prática fotográfica. A facilidade e rapidez com que tecnologias da imagem digital se tornaram disponíveis na época para um público profissional e amador permitiu o surgimento da idéia de que essa transformação significava uma mudança paradigmática. A tecnologia digital parece abalar definitivamente a suposta credibilidade da imagem fotográfica como documento e gerou tanto uma nova gama de soluções, quanto de problemas, como a transmissão e o armazenamento de imagens, hoje produzidas de forma exponencial.

Com o crescimento e a ubiqüidade do uso da computação móvel e da Internet, esse fenômeno se acentuou ainda mais até o ponto em que hoje evidenciamos um mundo gerido pela informação visual gerada por milhares de câmeras digitais disparando cliques e publicando imagens para acesso do público a todos os momentos, em qualquer lugar do mundo. Se por um lado, a Internet permitiu que o acesso á recepção e transmissão de informação saísse da mão de ‘experts’ e residisse na mão de qualquer pessoa, este fenômeno também permite que existam desvios de percepção sobre o que realmente é um fato ou mera simulação. A opacidade da questão da legitimidade em relação ás imagens foto-jornalísticas, por exemplo, gira em torno de questões de quem seria o “dono do fato”, já que a notícia há muito já não é domínio exclusivo das agências de notícias e de seus enviados especiais.

Se a questão digital permite que mentiras se tornem verdades sem meios de provação concreta, o inverso também é verdade. Há anos jornalistas vêm criando blogs para escreverem tudo o que o jornal não lhes permite publicar. Blogs tornaram-se, na realidade, muito mais autênticos do que os jornais e sua parcialidade, pois o blogueiro não responde a ninguém a não ser a si próprio. Blogs, por exemplo, também dão vazão à criação de identidades fictícias, alter-egos que escrevem através de pessoas e que criam comunidades inteiras de pessoas “reais” em torno de um autor “fake” e talvez em torno de eventos e notícias falsas. Talvez diante de toda a falsidade de personas e eventos, esta seja uma verdade em si, se for consistente.
Estes desdobramentos desviantes do acesso à informação são indícios de uma histeria coletiva, ao mesmo tempo em que talvez a Internet seja um dos lugares em que pessoas não precisem representar os papéis de acordo com os interesses de suas organizações. A maleabilidade do meio parece se prestar tanto a teorias conspiratórias e apocalípticas quanto a uma utopia que o mundo real mais opaco não permite. No final, é uma questão de percepção e saber como navegar pelo labirinto da informação guiados por uma intuição do que é legítimo ou não, pois em um universo paralelo sem um pai, prevalece a anarquia.

O que acontece com os blogs “extra-oficiais” também ocorre no universo do arquivo de imagens e filmes. Sites como Flickr e Youtube são verdadeiros repositórios de uma nova crônica humana que acontece fora das convenções dos gêneros “filme” ou “fotografia”. Quando analisados indivualmente, estes filmes e fotografias são em geral muito ruins e descartáveis, sem mérito de serem gravados ou vistos mais de uma vez. No entanto, o que ocorre não é um salto de qualidade mas uma enorme quantidade de informações na maioria das vezes inúteis. Em uma palestra recente com fotógrafos do Rio de Janeiro, fotógrafos “analógicos” se vêem um pouco impotentes e desgostosos com a falta de qualidade de imagem que a Internet permite publicar e com a falta de algo ou alguém que exerça um mínimo juízo estético sobre o que é veiculado. Essa falta de ‘legitimidade’ aparente desilusiona o fotógrafo “tradicional” e a sua busca pela imagem perfeita, única, soberana, aquela imagem que condensará uma verdade humana ou da imagem em um frame. A quantidade de imagens ruins os assusta. Eu concordo.

Por essa mesma razão, não vale a pena perder tempo na análise do valor qualitativo de uma imagem única, como se ela fosse conter alguma verdade ou mesmo um ela com uma realidade, ou que ela tenha potencial de se tornar um ícone ou símbolo. A maioria das imagens postadas em fotologs ou Flickr não possui qualquer valor artístico ou de conhecimento, mas o seu conjunto e a compulsividade com que elas são inseridas na Internet sim. Logo, a diferença entre a fotografia analógica e digital reside além do debate sobre que tipo de imagem é possível produzir com determinados aparelhos. É a diferença dos fluxos de um tipo de imagem e de outra que cria esse abismo ontológico em torno da percepção da imagem e das narrativas, contextos e subjetividade de quem, ou vários quems, as produz.

A diferença entre a imagem analógica e digital marca o debate iniciado por Marshall McLuhan e Vilém Flusser, que na segunda metade do século XX criaram as bases para a história e teoria das mídias. McLuhan afirma que a fotografia foi decisiva na ruptura entre a mecanização industrial e a “época gráfica do homem eletrônico”. Já Flusser determina que a imagem técnica constitui um tipo de meio distinto que contém um significado diferente das imagens tradicionais mesmo que sejam reminiscentes destas mesmas imagens, o que indica que a fotografia leva a uma revolução cultural. Ambos vêem a era do computador como uma conseqüência ou continuidade dessa revolução fotográfica.

5.12.06

O que sobra?

A ubiqüidade da troca de informações via redes de telecomunicações na vida contemporânea tem gerado, na última década, um novo campo de experimentação nas artes plásticas. O uso de ferramentas eletrônicas no processo artístico abre questões que ultrapassam uma análise tecnocêntrica da produção artística atual nos campos experimentais das novas mídias, especialmente em relação a trabalhos que são criados com informações disponíveis na rede ou que utilizam o meio eletrônico como suporte. Estes novos procedimentos abrem questões relevantes sobre a confluência da arte, tecnologia e ciência e renovam o debate em torno de temas da arte como autoria, originalidade, relação sujeito-objeto, e a materialidade do objeto de arte.

Usando a teoria da informação, de fluxos e sistemas como ponto de partida para uma discussão sobre as dinâmicas, ou agenciamento, envolvidas na complexidade destes novos procedimentos, é necessário renovar o debate atual para além de uma discussão tecnocêntrica do suporte e da técnica, favorecendo a elaboração de uma nova subjetividade emergente neste campo.

A tese central gira em torno de uma discussão da natureza da imagem digital como parte constituinte deste fluxo informacional visando atingir uma noção de "imagem" em um universo paralelo onde as produções artísticas midiáticas são centradas sobre a obra como processo e não mais como obra/objeto. Peter Weibel defende que somos parte de um sistema e em que o entendimento do mundo significa percebê-lo a partir da noção de interface, fazendo com que a obra de arte adquira maior sentido dentro de uma abordagem fenomenológica de um conjunto de inter-relações complexas entre interator e observador.

O campo de atuação das obras e idéias exploradas nesta dissertação é a rede informacional e como o artista se apropria de dados existentes na rede, e os resignifica em uma dimensão afetiva, assim criando uma subjetividade renovada. Passado o solipsismo da arte das novas mídias nos anos 90, o campo experimental propiciado pela Internet e pela interação de artistas com dados existentes, sejam imagens do Google ou dados provenientes de fontes governamentais sigilosas, propõem um casamento mais fecundo com a máquina e com as tecnologias da informação á medida que essas tecnologias e o seu uso atingem uma dimensão e importância social maior dentro da era do lifestyle computing.

No entanto, a ubiqüidade da informação traz implicações políticas polêmicas que coincidem com alguns problemas confrontados por artistas nas últimas décadas: autoria, agenciamento, legitimidade, visibilidade, permutação da relação sujeito-objeto, hibridez e a materialidade evanescente do objeto de arte. Quando o curador da Bienal de Guangzhou, perplexo com a seleção de obras da mostra, exclama: “gostaria de ver mais arte…aqui só há sociologia…”, este é um indicador forte de que a arte na era da modernidade reflexiva propõe uma auto-análise diferente do que Greenberg propôs acerca da auto-referencialidade do meio…quando os quatro cantos da tela de pintura já foram ultrapassados, o que sobra?

3.12.06

Desiring Machines

“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produçao de uma subjetividade auto-enriquecendo de modo contínuo sua relação com o mundo.”

Félix Guattari, Caosmose


Para Deleuze e Guattari o desejo não é uma força imaginária mas uma força produtiva real. A natureza mecanicista do desejo torna-se uma espécie de máquina de desejo que funciona como um curto-circuito dentro de um circuito maior de outras “máquinas” conectadas a ela. No entanto, a máquina de desejo também produz um fluxo de desejo a partir de si mesma. Deleuze e Guattari imaginam um universo multi-funcional composto de tais máquinas conectadas umas ás outras: “não existem máquinas de desejo fora das máquinas sociais que se formam em grande escala; e também nenhuma máquina social existe sem máquinas do desejo que a habitam na micro-escala.” Para eles o homem é uma máquina de desejo, ou seja, o “acoplamento homem-máquina numa estrutura maior que são as maquinas sociais. O homem é simultaneamente um organismo da sociedade e parte de uma imensa máquina, a maquina social”. Eles discordam de Freud na análise psicanalítica de que a máquina de desejo está no domínio dos sonhos e que o desejo é movido pela carência. Pelo contrário: as máquinas sociais são constructos que conduzem socialmente o comportamento e seu motor é o desejo. “Por ser a máquina social uma entidade coletiva, sua maior tarefa é codificar os fluxos coletivos, codificando o sistema de desejo globalmente..."

Esta concepção vai de encontro ao funcionamento das redes de telecomunicacão de hoje. Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari descrevem o funcionamento da rizoma, imagem de organização de sistemas não-hierárquica que serve como modelo filosófico para compreender a estrutura das redes de informação das quais participamos voluntária e involuntariamente no mundo contemporâneo. Em um mundo mais e mais conectado, esta idéia de desejo como produção produz novas subjetividades e novas estéticas em obras de arte e artistas que utilizam as redes como suporte. Fazer arte com modos de telecomunicação é um fenômeno único do século 20, iniciado com as vanguardas históricas européias, aceleradas com a entrada da televisão, do satélite e do mundo das (multi)mídias telemáticas, culminando na abertura no imenso campo convergente da Internet, a rede das redes.

Não é por acaso o fato de Deleuze e Guattari serem frequentemente citados em círculos acadêmicos em universidades do mundo todo como alguns dos pensadores que prepararam um framework para compreender certos fenômenos da subjetividade e das redes no mundo contemporâneo. Outros como Roy Ascott igualmente problematizam a questão da rede sob o ponto de vista do afeto e da subjetividade principalmente no texto “Existe amor no abraço telemático?” em que a crises conjugais do casamento entre arte e tecnologia são expostas.

O casamento da arte com a tecnologia é uma questão proeminente dentro de formulações utópicas e distópicas sobre o futuro. Segundo Edward E. Shanken, se utilizarmos a lógica binária do discurso modernista, “a arte e suas irmãs (incluindo a intuição, a natureza e a metafísica) são um conjunto formado em oposição à tecnologia e seus irrmãos (razão analítica, máquinas e a física).” Ao longo do século 20 podemos observar manifestações concretas desse amor entre homens e máquinas, que se complementam na insuficiência e na necessidade de um pelo outro em busca de um entendimento sobre a complexidade inerente da modernidade. Se por um lado, a arte é vista como o último refúgio do humanismo perante a dominação de todas as esferas da vida moderna pela tecnologia, o romantismo que ela incorpora não acomoda plenamente o estado de perplexidade em que o mundo se encontra atualmente. Por outro lado, a tecnologia e a sua vontade de hegemonia e controle sobre tudo o que é humano também não subsiste se não for colocada sob suspeita pela poiesis (arte), que, para Heidegger, representava a panacea dentro da ameaça enquadramento tecnológico. Já Marshall McLuhan em Understanding Media aponta que a arte é uma espécie de radar cultural para estudar e controlar as mídias e para enhance uma percepção das tecnologias e suas consequências psíquicas e sociais.

Na fotografia de casamento entre a arte (a noiva) e a tecnologia (o noivo) já podemos ver indícios de uma relação turbulenta, passional e cheia de contradições, tão repleta de momentos sublimes quanto de baixarias. Nessa imagem fragmentária, vemos, nos olhos do casal, tanto a esperança quase utópica de que “vai dar tudo certo” quanto o desespero diante do fato de uma insuficiência pessoal em que o “outro” vem a ser um complemento, ou pior: uma necessidade. Se estes nubentes terão filhos é uma questão que ainda não podemos perceber através da imagem de uma relação ainda em estado de potência não-consumada. Fica explícito um jogo de tensões.

Frágeis Conexões - Frágeis Colaborações

A partir de hoje, estarei publicando pedaços da minha dissertação de mestrado para avaliação da rede, sob forma de verbetes, ou "keywords".

O título da dissertação é "Frágeis Conexões: razão e desejo na arte telemática" e fala sobre as novas subjetividades e estéticas que surgem na arte a partir do fenômeno da conectividade exacerbada em que vivemos hoje. Creio que todos nós estejamos vivendo isso - e me interessa saber o que vocês pensam sobre o assunto, pois, vivemos em um mundo colaborativo em que sharing information é a nossa atividade principal. Como filha da geração que botou essa geringonça toda para funcionar, esse será o modus operandi do trabalho.

Há vários artistas(como eu) trabalhando com a rede para fazer as suas obras de arte. No meu caso, sou uma collage-artist e recolho imagens e informações do Google e faço mapeamentos de fluxos de imagens como um diálogo com o imenso arquivo universal disponível a poucos cliques. Construo minhas imagens através de softwares open-source - tudo disponível na rede - como filosofia de trabalho. A minha filosofia é que a Internet é um campo aberto para experimentação livre, e também um campo cheio de restrições políticas como propriedade intelectual, fraudes incríveis, e de acessos restritos. O que sobra é um tremendo lixão, o que me dá subsídios para fazer uma arte povera digital.

Gostaria muito da participação de vocês.

1.12.06

Fotos no Flickr


Singapô - Pioneer Market
Originally uploaded by flowerbomb.
Centenas de fotos da minha viagem no sudeste asiático...