3.12.06

Desiring Machines

“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produçao de uma subjetividade auto-enriquecendo de modo contínuo sua relação com o mundo.”

Félix Guattari, Caosmose


Para Deleuze e Guattari o desejo não é uma força imaginária mas uma força produtiva real. A natureza mecanicista do desejo torna-se uma espécie de máquina de desejo que funciona como um curto-circuito dentro de um circuito maior de outras “máquinas” conectadas a ela. No entanto, a máquina de desejo também produz um fluxo de desejo a partir de si mesma. Deleuze e Guattari imaginam um universo multi-funcional composto de tais máquinas conectadas umas ás outras: “não existem máquinas de desejo fora das máquinas sociais que se formam em grande escala; e também nenhuma máquina social existe sem máquinas do desejo que a habitam na micro-escala.” Para eles o homem é uma máquina de desejo, ou seja, o “acoplamento homem-máquina numa estrutura maior que são as maquinas sociais. O homem é simultaneamente um organismo da sociedade e parte de uma imensa máquina, a maquina social”. Eles discordam de Freud na análise psicanalítica de que a máquina de desejo está no domínio dos sonhos e que o desejo é movido pela carência. Pelo contrário: as máquinas sociais são constructos que conduzem socialmente o comportamento e seu motor é o desejo. “Por ser a máquina social uma entidade coletiva, sua maior tarefa é codificar os fluxos coletivos, codificando o sistema de desejo globalmente..."

Esta concepção vai de encontro ao funcionamento das redes de telecomunicacão de hoje. Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari descrevem o funcionamento da rizoma, imagem de organização de sistemas não-hierárquica que serve como modelo filosófico para compreender a estrutura das redes de informação das quais participamos voluntária e involuntariamente no mundo contemporâneo. Em um mundo mais e mais conectado, esta idéia de desejo como produção produz novas subjetividades e novas estéticas em obras de arte e artistas que utilizam as redes como suporte. Fazer arte com modos de telecomunicação é um fenômeno único do século 20, iniciado com as vanguardas históricas européias, aceleradas com a entrada da televisão, do satélite e do mundo das (multi)mídias telemáticas, culminando na abertura no imenso campo convergente da Internet, a rede das redes.

Não é por acaso o fato de Deleuze e Guattari serem frequentemente citados em círculos acadêmicos em universidades do mundo todo como alguns dos pensadores que prepararam um framework para compreender certos fenômenos da subjetividade e das redes no mundo contemporâneo. Outros como Roy Ascott igualmente problematizam a questão da rede sob o ponto de vista do afeto e da subjetividade principalmente no texto “Existe amor no abraço telemático?” em que a crises conjugais do casamento entre arte e tecnologia são expostas.

O casamento da arte com a tecnologia é uma questão proeminente dentro de formulações utópicas e distópicas sobre o futuro. Segundo Edward E. Shanken, se utilizarmos a lógica binária do discurso modernista, “a arte e suas irmãs (incluindo a intuição, a natureza e a metafísica) são um conjunto formado em oposição à tecnologia e seus irrmãos (razão analítica, máquinas e a física).” Ao longo do século 20 podemos observar manifestações concretas desse amor entre homens e máquinas, que se complementam na insuficiência e na necessidade de um pelo outro em busca de um entendimento sobre a complexidade inerente da modernidade. Se por um lado, a arte é vista como o último refúgio do humanismo perante a dominação de todas as esferas da vida moderna pela tecnologia, o romantismo que ela incorpora não acomoda plenamente o estado de perplexidade em que o mundo se encontra atualmente. Por outro lado, a tecnologia e a sua vontade de hegemonia e controle sobre tudo o que é humano também não subsiste se não for colocada sob suspeita pela poiesis (arte), que, para Heidegger, representava a panacea dentro da ameaça enquadramento tecnológico. Já Marshall McLuhan em Understanding Media aponta que a arte é uma espécie de radar cultural para estudar e controlar as mídias e para enhance uma percepção das tecnologias e suas consequências psíquicas e sociais.

Na fotografia de casamento entre a arte (a noiva) e a tecnologia (o noivo) já podemos ver indícios de uma relação turbulenta, passional e cheia de contradições, tão repleta de momentos sublimes quanto de baixarias. Nessa imagem fragmentária, vemos, nos olhos do casal, tanto a esperança quase utópica de que “vai dar tudo certo” quanto o desespero diante do fato de uma insuficiência pessoal em que o “outro” vem a ser um complemento, ou pior: uma necessidade. Se estes nubentes terão filhos é uma questão que ainda não podemos perceber através da imagem de uma relação ainda em estado de potência não-consumada. Fica explícito um jogo de tensões.