8.12.04

O novo Moma e a nova historia da arte

Tenho lido muito sobre a inauguração do novo Moma, uma abertura polêmica por vários motivos. Primeiro o prédio antigo, que era um ícone da arquitetura moderna, foi substituído por um edifício lindo de morrer com uma circulação completamente diferente. Mudança de estilo, mudança de estratégia.



O Moma foi a primeira instituição criada para abrigar e dar nexo à produção moderna, que, em 1928, quando foi inaugurado o Moma original, ainda estava em plena ebulição. Como juntar cubistas, fauvistas, surrealistas, dadaistas, futuristas, expressionistas e metafísicos debaixo de um mesmo teto? Existe realmente uma ligação entre cada um? É possível estabelecer uma cronologia entre todas essas vertentes? Como contar a história de uma arte (ou de uma época) que veio como uma explosão? Por onde começamos, quem vem depois de quem, ou deve ser visto junto de quem? No antigo prédio, a coleção começava com um Cézanne. E até hoje, Cézanne era tido como o pai do modernismo, o primeiro a deslocar o olhar de um classicismo latente para a modernidade. Ele simplificou a representação da natureza e do espaço pictórico em termos de cones, cilindros, e esferas, uma espécie de mote de construção para suas paisagens e uma pesquisa intensa na construção da imagem. A arte se tornara científica, com consciência. A vitória da razão e da ética, e o final do ilusionismo.


Paul Cézanne. The Bather. c. 1885. Oil on canvas, 50 x 38 1/8" (127 x 96.8 cm). Lillie P. Bliss Collection


Mas hoje, isso mudou. Na entrada do novo MOMA, reinaugurado depois de 7 anos de reformas, houve mudanças estratégicas em como as peças da coleção do museu foram dispostas, o que, consequentemente, muda a história da arte tal como estudávamos e apreciávamos até hoje. Entra o lado Pop como determinante da cultura moderna e contemporânea, entra a questão da imagem, entra o individualismo pós-moderno, saem a forma, a estética, e as linhas modernas.


Paul Signac
Against the Enamel of a Background Rythmic with Beats and Angels, Tones and Colors, Portrait of Félix Fénéon
1890

Esta imagem de Paul Signac, um pintor menor em sua época, substitui o pai do modernismo, Cézanne, com os seus "Banhistas", na entrada da coleção de pintura. Segundo o trecho do artigo, o diretor do Moma Glenn Lowry, não considera mais Cézanne como o pai do modernismo, mas como um pintor clássico rebelde,. Ele acredita que é necessário "... to keep up with what is happening today and be willing to go back to historical moments, identify what gaps there are and then pursue them with a relentless commitment."

No lugar dele, bem na entrada da exposição botou um Signac, pintor pointilista (um movimento quase isolado) que considero de pouca genialidade e profundamente chato, como um precursor da vertente pop e da exaltação da "celebridade", reforçado por um punhado de Warhols mais tarde na mesma exposição. Ele quis exaltar um impressionismo-pop que nunca existiu como tal para justificar a santificação de Warhol, em detrimento ao grande expressionista abstrato Pollock, que antes ocupava o trono de artista americano mais importante. (Mas ouvi boatos de pessoas que pagaram os $20 dolares de entrada que tem um punhado de Cézannes pequenininhos na primeira sala, pertinho do Signac, mas não é a mesma coisa).

Saem Cézanne e Pollock, entram Signac e Warhol. Ok, ainda estou digerindo esse Signac pois o Warhol já é sagrado, o artista mais importante da segunda metade do século 20. Mas me pergunto porque não puseram um Duchamp como frontispício? Ele tem muito mais a ver com o Warhol e cia. do que um Signac medíocre. Mas a história é escrita pelos vencedores, sempre.

E um oportunismo que muda as coisas não só em nível da instituição, mas em nível de mercado também. O Moma dá o passo para a leitura da arte do momento. Quem expõe no Moma entra no pantheon das artes e o estilo do artista passa a virar tendência, movimento, etc. Os Signacs serão leiloados a preços recordes, enquanto outros pintores serão desvalorizados.


Phillip Taaffe


Beatriz Milhazes


Franz Ackermann

No entanto, não me surpreende a escolha desse quadro porque me lembrou muito os quadros de alguns artistas contemporâneos como Beatriz Milhazes, do americano Phillip Taffe, e do alemão Franz Ackermann. Digamos que possam pertencer à mesma genealogia. Conhecendo esses pintores contemporâneos e sabendo que cada um tem uma legião de seguidores além de serem muito valorizados no mercado internacional, não me surpreende que este Signac tenha sido escolhido para fazer o link entre uma vertente da pintura contemporânea e as raízes do modernismo. Mesmo sabendo que o Moma tem como uma de suas diretrizes principais mostrar a história do modernismo, detonar um Cézanne assim por uma obra tão fraca como essa do Signac é de doer. Esse quadro do Signac tem uma visualidade tão específica que quase exclui todo o resto. E os 3 pintores citados acima são apenas 3 de um universo de imagens gigantesco. Porque afunilar a visão? Ter Cézanne como pai tornava tudo mais flexível.

Ao mesmo tempo, me pergunto: quem foi mesmo que determinou que Cézanne foi o pai do modernismo, e sob qual ponto de vista, para favorecer a quem? Eu sou daquelas para quem Cézanne reina absoluto, é fora de questão rebaixá-lo por causa de uma "moda" do início do milênio, mas talvez por vários historiadores pensarem assim é que congelaram Cézanne no topo quando talvez outros pintores da mesma época tivessem contribuições tão importantes quanto a dele. Claro, Monet, Manet, Gauguin, Renoir (argh!), todos foram geniais. Mas Signac?

Um trecho do ensaio The Tomb of Modernity publicado na Axess, por Mark Irving:

"...Astute visitors, however, will pay particular attention to the way Moma has now reopened the story of the modern. Instead of Rodin's St John the Baptist Preaching, which used to stand outside the galleries, pointing to Cézanne's The Bathers, Lowry has decided to start the collection with Signac's 1890 Portrait of Félix Feneon. This, he says, is "a great magical gesture that essentially raises the curtain on the very idea of modernity. It is Signac's greatest picture, though he's not the artist you'd usually pick." Dispensing with the Cézanne (Lowry claims it is a "rétardaire picture, still wrestling with Poussin") and highlighting instead Feneon—the Parisian critic, collector, impresario and anarchist—is a telling move.

"It's about showmanship, the masses, about a fundamentally different moment," he continues. "It's almost the same date as The Bathers, but it's about the curtain coming up on popular culture, breaking through the screen of avant-garde art. It pinpoints the notion of celebrity and offers us references to Warhol later in the hang."

This, then, is how Moma has recast the history of modern art as seen from our times, with showmanship and celebrity culture the dominant thread. Each generation retells history its own way, but is this really where the march of progress has taken us? It risks appearing as just a repackaging of those features of modern art that conveniently mimic our current, transitory obsessions. But for Lowry, the story of modern art is not complete without the canonisation of Andy Warhol, the original media-savvy, celebrity-driven artist. "Of the giants of this period, he is the guy," says Lowry. "Pollock is already over." "