No Flickr, fotos da viagem a Saigon (Ho Chi Minh City), Vietnã.
(fiz a viagem em setembro, me atrasei em flickar as fotos...)
No Flickr, também: fotos da Indonésia, Camboja, Tailândia, Malásia, Singapura, e agora: Vietnã.
O Sudeste asiático é lindo, lindo.
30.1.07
18.1.07
Comer em Singapura
Essa cidade-estado-nação-ilha tem uma tara por comida. O símbolo da cidade é o Merlion, uma enorme estátua de um leão com rabo de peixe que solta um jato de água pela boca. É, o Merlion parece que está vomitando.
É praticamente ilegal não existir um Hawker Centre a cada duas quadras. Hawker Centres são tipo praças de alimentação do governo de Singapura criados pra garantir que todo mundo possa comer barato e pra acabar com a falta de saneamento de camelôs que vendem comida na rua. Servem dezenas de tipos de comidas, vendidas em baias, estilo Cobal.
A média do prato bem-servido de Roti Prata (panqueca indiana com molho de quiabo e curry) ou do Nasi Lemak (arroz de côco com galinha frita, manjubinha, legumes e chili) ou Laksa (sopa aromática de peixe ou camarão com curry de côco, gengibre, campim-limão e vegetais) é de 3 sing-dollars (5 Reais). Por esse motivo, quase não cozinho em casa - almoço e janto nesses lugares todos os dias.
Essas cafeterias, Kopitiam (em hokkien) ou Kafeitien (em mandarim) estão sempre lotados e põem o restaurante de 1 Real dos Garotinhos no chinelo. Singapura é um festival culinário - ninguém aqui passa fome - come bem e muito barato, a qualquer hora do dia ou da noite.
Tem comida japonesa (não sushi, mas bentô, etc.), coreana (ótima!), indiana, malaia, e chinesa. Muita comida chinesa: cantonesa, hokkien, de hong kong, taiwanesa, manchu, hainanesa, e por aí afora. Coitados daqueles que acham que comida chinesa é como a do Via China - nada-a-ver.
E como todo lugar esquisito, a comida, além de deliciosa, também tem umas esquisitices.
1. "Coffee and milk" significa café com leite condensado. Assim mata-se a vontade do leite e do açúcar ao mesmo tempo. Pedir café preto, sem leite e sem açúcar aqui é pedir pra ser xingado em cantonês.
2. Coca-cola é servida com um saquinho de sal. Dizem que coca-cola é doce demais. Contradição com o número 1.
3. Praticamente não se serve alface crua, ou qualquer coisa crua. Vide post anterior. Salada, é coisa de ang moh (gringo em mandarim).
4. Pig's Organ Soup. Preciso dizer mais?
5. O "pra viagem" significa despejar o café em sacos transparentes com alças coloridas, carregados como bolsinhas e que podem ser pendurados na maçaneta do escritório. Eu juro que eu vi alguém fazendo isso.
6. Sucos de cevada, de flor de crisântemo, de noz moscada com limão (quente),
7. Pata de galinha com molho de feijão preto.
a cada dia descubro mais um.
15.1.07
Tomate cru na salada? Parte 2 de 2
Como retribuição às lições culinárias dos meus colegas de trabalho (1 indonesiano, 1 chinês-singaporeano, e 2 indianos), convidei todos para almoçarem no restaurante self-service sueco que fica no Ikea, uma loja de móveis tipo Tok&Stok sueca onde fica um restaurante que serve comida típica sueca, diga-se almôndega ou salmão com batata, espaguete á bolonhesa, salada verde, batata frita, sanduíche e torta. Toda semana, oferecem um prato com a "cor local", um arroz frito chinês com galinha ou algo assim. Poucas ofertas, comida simples e barata. Moleza.
Aí começou a confusão. Nenhum dos meus colegas sabia como começar - tinha talher demais: garfo, faca, colher de sopa, colher de chá...qual escolher? "Faca, pra que"? "Cadê o pauzinho"? Uma vez resolvida a função de cada utensílio, começou o desastre de escolher comida..."o que tem dentro desse sanduíche?" "Marinated salmon", respondi. - "Como assim, 'marinated'"? Respondi que era salmão cru, mas marinado no sal por uns dias, uma delícia. - "Mas eu não como nada cru!" -"Então pede a almôndega, o prato mais típico sueco, vem com batata cozida e um gravy ótimo, comi isso a minha infância inteira". - "Mas eu não como carne!" -"Ah, então pede o salmão assado com batata e molho de manteiga". - "Mas eu não como nada cru!" - "Esse é assado..." - "Você não falou que era cru? ". - "Então pede o espaguete a bolonhesa, italiano, mas bom também". - "Como é que eu como isso sem pauzinho", exclamou o chinês! Depois de uma certa hora, desisti de dar conselho, deixei eles se virarem. Peguei o meu salmão assado sequinho com batatas, fui para a mesa, e sentei ali feliz da vida de estar comida seca, e com garfo e faca, como se faz no Ocidente. Pra eles, todo lugar onde tem gente 'branca' é Ocidente, não importa se é europeu, americano, latino-americano, etc. A gente se acostuma com essas "linhas de diferença".
Um por um foram chegando á mesa. O indonesiano, pediu espaguete á bolonhesa, mas achou seco demais e pediu pra botar um pouco de molho de manteiga. Ele acertou o uso da faca sem problemas. O chinês nem tentou a comida sueca, foi direto pro especial do dia, um miojo chinês com galinha, que ele comeu de garfo e colher, tendo que arrancar a carne da galinha do osso com os dentes, como se faz aqui. Os indianos, coitados, mais perdidos que cegos em tiroteio fizeram o seguinte. Um deles pediu um prato de batata pura, e complementou com torta de chocolate. Coitado. O outro pegou uma salada verde, com o molho á parte.
Quando abriu a caixinha da salada, o indiano, exclamou: - "o tomate veio cru!" Eu, achando essa uma colocação estranhíssima, respondi, as saladas no Ocidente geralmente vêm com tudo cru, meio que 'that's the point' de uma salada, de você poder comer vegetais crus, frescos, é saudável. - "Mas na Índia o tomate só é usado pro chutney, ou pra molho, pra dar gosto ao curry, não na salada, assim, visível." Achei estranho, mas continuei feliz comendo o meu salmão depois de dias almoçando as esquisitices locais (que são uma delícia, mas tem hora que cansa). Aí percebi que o indiano da salada estava comendo salada pura, sem o molho. Quando fui olhar, tinha acabado de comer a salada e estava bebendo o vinaigrette da salada e fazendo mil caretas, dizendo que "puxa, a comida do seu país é meio azeda, não?"
Realmente, nós vivemos em outro planeta.
Vive la différence
Aí começou a confusão. Nenhum dos meus colegas sabia como começar - tinha talher demais: garfo, faca, colher de sopa, colher de chá...qual escolher? "Faca, pra que"? "Cadê o pauzinho"? Uma vez resolvida a função de cada utensílio, começou o desastre de escolher comida..."o que tem dentro desse sanduíche?" "Marinated salmon", respondi. - "Como assim, 'marinated'"? Respondi que era salmão cru, mas marinado no sal por uns dias, uma delícia. - "Mas eu não como nada cru!" -"Então pede a almôndega, o prato mais típico sueco, vem com batata cozida e um gravy ótimo, comi isso a minha infância inteira". - "Mas eu não como carne!" -"Ah, então pede o salmão assado com batata e molho de manteiga". - "Mas eu não como nada cru!" - "Esse é assado..." - "Você não falou que era cru? ". - "Então pede o espaguete a bolonhesa, italiano, mas bom também". - "Como é que eu como isso sem pauzinho", exclamou o chinês! Depois de uma certa hora, desisti de dar conselho, deixei eles se virarem. Peguei o meu salmão assado sequinho com batatas, fui para a mesa, e sentei ali feliz da vida de estar comida seca, e com garfo e faca, como se faz no Ocidente. Pra eles, todo lugar onde tem gente 'branca' é Ocidente, não importa se é europeu, americano, latino-americano, etc. A gente se acostuma com essas "linhas de diferença".
Um por um foram chegando á mesa. O indonesiano, pediu espaguete á bolonhesa, mas achou seco demais e pediu pra botar um pouco de molho de manteiga. Ele acertou o uso da faca sem problemas. O chinês nem tentou a comida sueca, foi direto pro especial do dia, um miojo chinês com galinha, que ele comeu de garfo e colher, tendo que arrancar a carne da galinha do osso com os dentes, como se faz aqui. Os indianos, coitados, mais perdidos que cegos em tiroteio fizeram o seguinte. Um deles pediu um prato de batata pura, e complementou com torta de chocolate. Coitado. O outro pegou uma salada verde, com o molho á parte.
Quando abriu a caixinha da salada, o indiano, exclamou: - "o tomate veio cru!" Eu, achando essa uma colocação estranhíssima, respondi, as saladas no Ocidente geralmente vêm com tudo cru, meio que 'that's the point' de uma salada, de você poder comer vegetais crus, frescos, é saudável. - "Mas na Índia o tomate só é usado pro chutney, ou pra molho, pra dar gosto ao curry, não na salada, assim, visível." Achei estranho, mas continuei feliz comendo o meu salmão depois de dias almoçando as esquisitices locais (que são uma delícia, mas tem hora que cansa). Aí percebi que o indiano da salada estava comendo salada pura, sem o molho. Quando fui olhar, tinha acabado de comer a salada e estava bebendo o vinaigrette da salada e fazendo mil caretas, dizendo que "puxa, a comida do seu país é meio azeda, não?"
Realmente, nós vivemos em outro planeta.
Vive la différence
Tomate cru na salada? Parte 1 de 2
Estou morando há alguns meses em Singapura, cidade-estado-ilha-nação alucinada por comida. Não tem muito mais o que fazer aqui a não ser sair para comer e fazer compras em shoppings. Parece a Barra da Tijuca sem praia nem montanha.
Quando cheguei aqui em setembro, tive uma certa dificuldade em me entender com a comida daqui, que vai desde a comida chinesa (hainanese, cantonese, taiwanese, hong kongese) á comida malaia, indiana, indonesiana, vietnamita, tailandesa, etc. Á primeira vista, o que se vê é todo mundo debruçado sobre uma tigela de sopa com objetos flutuantes de caracterização bem difícil. Mas a variedade de sopas e miojos e arroz e etc é absurda.
Quando comecei a fazer consultoria para uma firma de usabilidade daqui, pedi para um colega chinês-singaporeano para pelamordedeus me ensinar como comer essa comida. Depois de 2 ou 3 dicas, deu pra entender como funciona o paladar local, e, diferente do Via China 24h Delivery de Botafogo, existe bem mais do que miojo ensopado por aqui. Me ensinou o Yong Tau Foo, que é uma sopa self-service em que você escolhe ingredientes frescos como tofu, peixes e vegetais que são depois cozinhados em água escladante e juntados com um consommé delicioso. Tem também o Hainanese Chicken Rice, versão chinesa do frango assado, o Frog's Legs Claypot, e o Nasi Lemak, receta malaia de arroz temperado com leite de côco, perfumado com pandan leaf que dá uma cor de pistache ao arroz, e galinha frita com vegetais.
Tudo isso se come em "hawker centers", um tipo de praça de alimentação popular onde existem milhares de pequenas lojinhas que vendem de tudo. A comida indiana é uma delícia, mas os indianos comem arroz com curry com galinha, tudo ensopado com as mãos, ou melhor, com a mão direita. Para nós cariocas esnobes educados e servidos à francesa desde criancinhas e que comem hambúrguer do McDonald's com guardanapo, é meio nojento. O meu colega chinês-singaporeano também me ensinou a comer coxa de galinha com pauzinho e colher, porque o conceito "faca" não existe pra galera daqui: ou usa o dente ou a colher. Depois existe uma coordenação esquisita entre o pauzinho e aquela colher chinesa com fundo chato: você pesca os objetos flutuantes de dentro da sopa com o pauzinho (com a mão direita), e empilha as paradas dentro da colher que está na mão esquerda, e mete pra dentro.
Quando cheguei aqui em setembro, tive uma certa dificuldade em me entender com a comida daqui, que vai desde a comida chinesa (hainanese, cantonese, taiwanese, hong kongese) á comida malaia, indiana, indonesiana, vietnamita, tailandesa, etc. Á primeira vista, o que se vê é todo mundo debruçado sobre uma tigela de sopa com objetos flutuantes de caracterização bem difícil. Mas a variedade de sopas e miojos e arroz e etc é absurda.
Quando comecei a fazer consultoria para uma firma de usabilidade daqui, pedi para um colega chinês-singaporeano para pelamordedeus me ensinar como comer essa comida. Depois de 2 ou 3 dicas, deu pra entender como funciona o paladar local, e, diferente do Via China 24h Delivery de Botafogo, existe bem mais do que miojo ensopado por aqui. Me ensinou o Yong Tau Foo, que é uma sopa self-service em que você escolhe ingredientes frescos como tofu, peixes e vegetais que são depois cozinhados em água escladante e juntados com um consommé delicioso. Tem também o Hainanese Chicken Rice, versão chinesa do frango assado, o Frog's Legs Claypot, e o Nasi Lemak, receta malaia de arroz temperado com leite de côco, perfumado com pandan leaf que dá uma cor de pistache ao arroz, e galinha frita com vegetais.
Tudo isso se come em "hawker centers", um tipo de praça de alimentação popular onde existem milhares de pequenas lojinhas que vendem de tudo. A comida indiana é uma delícia, mas os indianos comem arroz com curry com galinha, tudo ensopado com as mãos, ou melhor, com a mão direita. Para nós cariocas esnobes educados e servidos à francesa desde criancinhas e que comem hambúrguer do McDonald's com guardanapo, é meio nojento. O meu colega chinês-singaporeano também me ensinou a comer coxa de galinha com pauzinho e colher, porque o conceito "faca" não existe pra galera daqui: ou usa o dente ou a colher. Depois existe uma coordenação esquisita entre o pauzinho e aquela colher chinesa com fundo chato: você pesca os objetos flutuantes de dentro da sopa com o pauzinho (com a mão direita), e empilha as paradas dentro da colher que está na mão esquerda, e mete pra dentro.
13.1.07
Um Ser que Parece Estar Vivo
A Internet apresenta características de emergência e de organização de sistema muito similares à dinâmica de sobrevivência dos seres vivos, que a manutenção do sistema se faz por ligações complexas e atingem um nível de entropia onde é necessário ordem para estabilizar o organismo como um todo. A questão indicial na Internet é, deste modo, fundamental.
A computação promove um nivelamento das mídias e por isso mesmo permite que infinitas possibilidades de recombinação, transmutação e divulgação e infinitas manipulações do finito, das combinações, das ações, e dos fins, e não só dos meios. Dentro desse contexto, o conceito de “rip,mash,hack” (rasga, amassa, pica) elaborado pelo artista australiano Gary Carsley descreve aptamente a estratégia artística do pastiche e da paródia adotada por grande parte dos artistas contemporâneos inspirado nas práticas de apropriação de arquivos e signos culturais que desde os anos 60 tem sido um modo de criar “ready-mades” dos produtos culturais amplamente disponíveis nos circuitos de mídia, especialmente a Internet e a televisão, entre outros.
Carsley aponta que esse nivelamento das mídias digitais igualmente reduz o atelier do artista a um simples laptop de onde pode acessar infinitos arquivos de imagens, sons e vídeos prontos para serem apropriados, hackeados, misturados e, depois da obra pronta, redistribuídos pelos mesmos meios. A caixa de ferramentas desse artista que atua com e sobre a rede de informações inclui montagem, colagem, desconstrução, bad animation, restaging, bricolagem, games, playfulness com teorias e cânones históricos da arte e uma canibalização generalizada da cultura de acesso livre (open-source).
Embora essas operações artísticas não sejam novas, pois advêm das estratégias das vanguardas históricas do século XX como o Dadaísmo e o Construtivismo russo principalmente, a reinterpretação de signos e ampliação dos canais de distribuição das obras tipo “rip, mash, hack” parecem constituir um novo campo experimental para a arte onde o agenciamento e a negociação com fluxos e sistemas de signos e poder dão vazão a uma nova subjetividade. Além da subjetividade, vemos também a resignificação contumaz de signos da cultura. Quer dizer, além da perda da referencialidade da imagem digital, temos também que lidar com uma nova resignificação de imagems dentro de um contexto cultural revisado. Isto não significa que a perda de referencialidade não permita que seja criado um novo olhar estético sobre estas novas imagens.
Os JPGs de Thomas Ruff, principalmente aqueles do atentado de 11 de setembro, vão de encontro a essa nova estética: só podemos compreendê-las se não as virmos dentro do contexto de imagens análogas que desfilam pelas nossas telas de computador, que vemos sem enxergá-las efetivamente. Mas uma questão permanece bem demonstrada por Ruff: até que ponto a dissolução e a pixelização de uma imagem mantêm-se compatíveis com a função referencial da imagem? Até que ponto uma imagem digital ainda é uma “imagem de” algo? Podemos pensar uma imagem que não seja uma “imagem de” qualquer coisa?
Hoje há uma visível perda de pensamento na imagem digital individual tal como as encontramos circulando pela Internet, na medida em que essa imagem representa o resultado de uma ação localizada e de um gesto de afeto. Álbuns de família antigamente privados agora são depositados online para escrutínio público, transformando-nos todos em voyeurs. Isso não quer dizer que algumas dessas fotos sejam efetivamente boas, no sentido composicional da foto. Mas quando vistas do ponto de vista do fluxo, e nos dando conta de que milhares de pessoas estão postando imagens em sites a todo momento, o fluxo de imagens ganha em valor do ponto de vista do colecionismo e do arquivamento e do acesso público ao que é privado e íntimo. É o conjunto de imagens e as visualizações destes mapas dos fluxos que geram um pensamento mais profícuo em torno da interação da subjetividade com os fluxos informacionais, e, por extensão, de uma relação de afetividade reflexiva realizada no âmbito da interação com máquinas e com redes. O gesto de produzir imagens é intrinsecamente humano, já a capacidade de gerar pensamento com imagens representa um segundo processo dentro da cultura. O que assusta com a Internet é a quantidade de imagens que ali transitam a cada segundo, mas sempre nos perguntamos efetivamente o que está sendo comunicado, que tipo de pensamento está envolvido nessa produção de imagens.
O gesto em si não necessariamente representa uma posição crítica em relação ao estatuto da imagem digital no contexto da rede. No entanto, se analisarmos a dinâmica das massas de imagens e nos apropriamos desses fluxos para resignificá-los em outro contexto, como o da arte, talvez possa ser iniciado um pensamento reflexivo sobre como a sociedade contemporânea sobrevive através da feitura e da divulgação de imagens.
A computação promove um nivelamento das mídias e por isso mesmo permite que infinitas possibilidades de recombinação, transmutação e divulgação e infinitas manipulações do finito, das combinações, das ações, e dos fins, e não só dos meios. Dentro desse contexto, o conceito de “rip,mash,hack” (rasga, amassa, pica) elaborado pelo artista australiano Gary Carsley descreve aptamente a estratégia artística do pastiche e da paródia adotada por grande parte dos artistas contemporâneos inspirado nas práticas de apropriação de arquivos e signos culturais que desde os anos 60 tem sido um modo de criar “ready-mades” dos produtos culturais amplamente disponíveis nos circuitos de mídia, especialmente a Internet e a televisão, entre outros.
Carsley aponta que esse nivelamento das mídias digitais igualmente reduz o atelier do artista a um simples laptop de onde pode acessar infinitos arquivos de imagens, sons e vídeos prontos para serem apropriados, hackeados, misturados e, depois da obra pronta, redistribuídos pelos mesmos meios. A caixa de ferramentas desse artista que atua com e sobre a rede de informações inclui montagem, colagem, desconstrução, bad animation, restaging, bricolagem, games, playfulness com teorias e cânones históricos da arte e uma canibalização generalizada da cultura de acesso livre (open-source).
Embora essas operações artísticas não sejam novas, pois advêm das estratégias das vanguardas históricas do século XX como o Dadaísmo e o Construtivismo russo principalmente, a reinterpretação de signos e ampliação dos canais de distribuição das obras tipo “rip, mash, hack” parecem constituir um novo campo experimental para a arte onde o agenciamento e a negociação com fluxos e sistemas de signos e poder dão vazão a uma nova subjetividade. Além da subjetividade, vemos também a resignificação contumaz de signos da cultura. Quer dizer, além da perda da referencialidade da imagem digital, temos também que lidar com uma nova resignificação de imagems dentro de um contexto cultural revisado. Isto não significa que a perda de referencialidade não permita que seja criado um novo olhar estético sobre estas novas imagens.
Os JPGs de Thomas Ruff, principalmente aqueles do atentado de 11 de setembro, vão de encontro a essa nova estética: só podemos compreendê-las se não as virmos dentro do contexto de imagens análogas que desfilam pelas nossas telas de computador, que vemos sem enxergá-las efetivamente. Mas uma questão permanece bem demonstrada por Ruff: até que ponto a dissolução e a pixelização de uma imagem mantêm-se compatíveis com a função referencial da imagem? Até que ponto uma imagem digital ainda é uma “imagem de” algo? Podemos pensar uma imagem que não seja uma “imagem de” qualquer coisa?
Hoje há uma visível perda de pensamento na imagem digital individual tal como as encontramos circulando pela Internet, na medida em que essa imagem representa o resultado de uma ação localizada e de um gesto de afeto. Álbuns de família antigamente privados agora são depositados online para escrutínio público, transformando-nos todos em voyeurs. Isso não quer dizer que algumas dessas fotos sejam efetivamente boas, no sentido composicional da foto. Mas quando vistas do ponto de vista do fluxo, e nos dando conta de que milhares de pessoas estão postando imagens em sites a todo momento, o fluxo de imagens ganha em valor do ponto de vista do colecionismo e do arquivamento e do acesso público ao que é privado e íntimo. É o conjunto de imagens e as visualizações destes mapas dos fluxos que geram um pensamento mais profícuo em torno da interação da subjetividade com os fluxos informacionais, e, por extensão, de uma relação de afetividade reflexiva realizada no âmbito da interação com máquinas e com redes. O gesto de produzir imagens é intrinsecamente humano, já a capacidade de gerar pensamento com imagens representa um segundo processo dentro da cultura. O que assusta com a Internet é a quantidade de imagens que ali transitam a cada segundo, mas sempre nos perguntamos efetivamente o que está sendo comunicado, que tipo de pensamento está envolvido nessa produção de imagens.
O gesto em si não necessariamente representa uma posição crítica em relação ao estatuto da imagem digital no contexto da rede. No entanto, se analisarmos a dinâmica das massas de imagens e nos apropriamos desses fluxos para resignificá-los em outro contexto, como o da arte, talvez possa ser iniciado um pensamento reflexivo sobre como a sociedade contemporânea sobrevive através da feitura e da divulgação de imagens.
6.1.07
Execução
Ver a execução do Saddam no Youtube me deu a sensação de estar assistindo a uma execução pública do século 12. Daquelas cenas de filmes em que o populacho se reúne para ver os estrangulamentos. Ou mais adiante na história, todas as gravuras que retratam as multidões exultantes diante dos guilhotinamentos na revolução francesa. Os requintes de crueldade são tremendos, mas ao mesmo tempo, como uma camponesa francesa em Paris, quis assistir por curiosidade mórbida. Ou por vontade de espetáculo. Ou porque estava ali, no Youtube.
Mais chocante ainda são os comentários deixados pelos usuários. O pior do piores se manifesta, todos os fundamentalistas à solta, árabes, americanos or otherwise...Exclamações em nome de bandeiras, de deus, do que quer que seja...
Em forma e em conteúdo, é um retrocesso. Ou talvez eu esteja sendo otimista. Talvez a gente nunca tenha aprendido nada, só muda a forma, o conteúdo fica o mesmo. O requinte de crueldade dos carrascos é ultrajante. Tudo tão precário, tão cheio de ruído. Não que estivesse esperando uma produção hollywoodiana. Mas preferia que isso não tinha acontecido dessa forma. Daqui só para pior. Tanta tecnologia, tantos "avanços", tanto progresso, e o bicho humano teimoso e burro não evolui em nada.
Mais chocante ainda são os comentários deixados pelos usuários. O pior do piores se manifesta, todos os fundamentalistas à solta, árabes, americanos or otherwise...Exclamações em nome de bandeiras, de deus, do que quer que seja...
Em forma e em conteúdo, é um retrocesso. Ou talvez eu esteja sendo otimista. Talvez a gente nunca tenha aprendido nada, só muda a forma, o conteúdo fica o mesmo. O requinte de crueldade dos carrascos é ultrajante. Tudo tão precário, tão cheio de ruído. Não que estivesse esperando uma produção hollywoodiana. Mas preferia que isso não tinha acontecido dessa forma. Daqui só para pior. Tanta tecnologia, tantos "avanços", tanto progresso, e o bicho humano teimoso e burro não evolui em nada.
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