A Internet apresenta características de emergência e de organização de sistema muito similares à dinâmica de sobrevivência dos seres vivos, que a manutenção do sistema se faz por ligações complexas e atingem um nível de entropia onde é necessário ordem para estabilizar o organismo como um todo. A questão indicial na Internet é, deste modo, fundamental.
A computação promove um nivelamento das mídias e por isso mesmo permite que infinitas possibilidades de recombinação, transmutação e divulgação e infinitas manipulações do finito, das combinações, das ações, e dos fins, e não só dos meios. Dentro desse contexto, o conceito de “rip,mash,hack” (rasga, amassa, pica) elaborado pelo artista australiano Gary Carsley descreve aptamente a estratégia artística do pastiche e da paródia adotada por grande parte dos artistas contemporâneos inspirado nas práticas de apropriação de arquivos e signos culturais que desde os anos 60 tem sido um modo de criar “ready-mades” dos produtos culturais amplamente disponíveis nos circuitos de mídia, especialmente a Internet e a televisão, entre outros.
Carsley aponta que esse nivelamento das mídias digitais igualmente reduz o atelier do artista a um simples laptop de onde pode acessar infinitos arquivos de imagens, sons e vídeos prontos para serem apropriados, hackeados, misturados e, depois da obra pronta, redistribuídos pelos mesmos meios. A caixa de ferramentas desse artista que atua com e sobre a rede de informações inclui montagem, colagem, desconstrução, bad animation, restaging, bricolagem, games, playfulness com teorias e cânones históricos da arte e uma canibalização generalizada da cultura de acesso livre (open-source).
Embora essas operações artísticas não sejam novas, pois advêm das estratégias das vanguardas históricas do século XX como o Dadaísmo e o Construtivismo russo principalmente, a reinterpretação de signos e ampliação dos canais de distribuição das obras tipo “rip, mash, hack” parecem constituir um novo campo experimental para a arte onde o agenciamento e a negociação com fluxos e sistemas de signos e poder dão vazão a uma nova subjetividade. Além da subjetividade, vemos também a resignificação contumaz de signos da cultura. Quer dizer, além da perda da referencialidade da imagem digital, temos também que lidar com uma nova resignificação de imagems dentro de um contexto cultural revisado. Isto não significa que a perda de referencialidade não permita que seja criado um novo olhar estético sobre estas novas imagens.
Os JPGs de Thomas Ruff, principalmente aqueles do atentado de 11 de setembro, vão de encontro a essa nova estética: só podemos compreendê-las se não as virmos dentro do contexto de imagens análogas que desfilam pelas nossas telas de computador, que vemos sem enxergá-las efetivamente. Mas uma questão permanece bem demonstrada por Ruff: até que ponto a dissolução e a pixelização de uma imagem mantêm-se compatíveis com a função referencial da imagem? Até que ponto uma imagem digital ainda é uma “imagem de” algo? Podemos pensar uma imagem que não seja uma “imagem de” qualquer coisa?
Hoje há uma visível perda de pensamento na imagem digital individual tal como as encontramos circulando pela Internet, na medida em que essa imagem representa o resultado de uma ação localizada e de um gesto de afeto. Álbuns de família antigamente privados agora são depositados online para escrutínio público, transformando-nos todos em voyeurs. Isso não quer dizer que algumas dessas fotos sejam efetivamente boas, no sentido composicional da foto. Mas quando vistas do ponto de vista do fluxo, e nos dando conta de que milhares de pessoas estão postando imagens em sites a todo momento, o fluxo de imagens ganha em valor do ponto de vista do colecionismo e do arquivamento e do acesso público ao que é privado e íntimo. É o conjunto de imagens e as visualizações destes mapas dos fluxos que geram um pensamento mais profícuo em torno da interação da subjetividade com os fluxos informacionais, e, por extensão, de uma relação de afetividade reflexiva realizada no âmbito da interação com máquinas e com redes. O gesto de produzir imagens é intrinsecamente humano, já a capacidade de gerar pensamento com imagens representa um segundo processo dentro da cultura. O que assusta com a Internet é a quantidade de imagens que ali transitam a cada segundo, mas sempre nos perguntamos efetivamente o que está sendo comunicado, que tipo de pensamento está envolvido nessa produção de imagens.
O gesto em si não necessariamente representa uma posição crítica em relação ao estatuto da imagem digital no contexto da rede. No entanto, se analisarmos a dinâmica das massas de imagens e nos apropriamos desses fluxos para resignificá-los em outro contexto, como o da arte, talvez possa ser iniciado um pensamento reflexivo sobre como a sociedade contemporânea sobrevive através da feitura e da divulgação de imagens.