Do meu melhor amigo e uber-blogueiro LLL, que fala de literatura e recebe, de vez em quando recebe contos de outros autores jovens. Tudo o que ele respondeu a este jovem autor pode ser aplicado para a arte, se substituirmos os termos referentes à escrita por aqueles da arte. Vai muito de encontro aos Clichês da Arte Contemporânea, um post meu antigo e linkado aí do lado. Alexandre e eu concordamos, e é quase um pacto nas nossas vidas e com a nossa arte ( aliteratura dele e aminha pintura), que a arte é um ato de construção consciente.
Faço minhas as suas palavras, lembrando Rilke, bem de longe, em Cartas a Jovem Poeta:
"Coisas que Fluem
Estava conversando hoje com um jovem artista plástico que fez a bobagem de me mostrar um desenho. Eu não gostei. Achei um amontoado de lugares-comuns. Tive a impressão de já ter visto aquele mesmo desneho mil vezes.
(...)
Enfim, meu jovem artista disse que o importante no seu desenho era a angústia: "Eu tenho milhares de momentos... esse foi um momento de angústia."
E eu pensei, cá com meus pincéis, mais um angustiado, meu deus!
Eu me lembro da época em que a pintura falava da verdade, da moral, do ciúme, da culpa, da redenção. Mas, a partir do século XX, sabe-se lá por quê, a pintura passou a só falar de angústia e seus temas correlatos: o vazio da vida contemporânea, a efemeridade das relações humanas, etc etc, blá blá bleargh.
Naturalmente, é uma relação parasitária: quando mais a pintura torna-se repetitiva e monotemática, mais angustiados ficam os pobres espectadores e produtores de quadros. Resultados: mais quadros sobre angústia.
Não é nem que eu não tenha momentos de angústia, mas eu teria vergonha de desenhar sobre eles, e ser mais um nessa multidão de artistas plásticos angustiados.
Continuou o meu jovem artista: "Quando estou com qualquer sentimento fora do comum preciso pintar para me libertar... Os desenhos fluem somente."
E eu suspirei: meu amigo, eu disse, com vontade de bater em seu ombro, o que flui é a sua urina quando mija. Arte é uma construção consciente.
E ele: "Não disse que não estava inconsciente... Mas quando pega-se o papel e as formas começam a sair, você tem de deixá-las..."
Essa é a questão. Eu e meu jovem artista temos concepções algo diferentes do que é pintura. Não que isso seja problema. Muita gente chamada de genial pelos cadernos especializados também pensa diferente de mim e isso não impede de serem convidados a todos os coquetéis.
Há uma diferença enorme entre desenhar um diário e fazer pintura. Os seus grandes momentos dão grandes páginas do seu diário: não, necessariamente, pintura.
No primeiro rascunho, concordo, não se contenha, não se reprima, não pense muito e nem se analise. Deixe fluir tudo de dentro de você - mas com higiene, por favor. Mas, logo depois, é hora de rever com consciência crítica. Corrigir, apagar, por mais doloroso que seja. Principalmente, é hora de decidir se você fez pintura (ou algo que pode tornar-sepintura) ou só mais uma página do seu diário.
Nem tudo o que sai de você é pintura."
12.11.04
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Ficou bem legal essa adaptação. E no caso de um artista plástico, a frase mais engraçada é sem dúvida "Deixe fluir tudo de dentro de você - mas com higiene, por favor."
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