26.3.04

O sentimento de morte na arte

Estou à espera da vida na arte. Dizem que a arte contemporânea é mais sensível à vida, mas o que impera é um desejo de morte. O corpo virtual prenuncia a morte do corpo enquanto lugar da experiência sensorial sem dar-nos uma alternativa igualmente rica em sensações. Isto remete a Kant e as suas idéias de que só temos a experiência do mundo porque temos um corpo para senti-lo, de modo que se existe o paladar é porque temos boca para senti-lo, e se vemos cor, é porque os olhos é que a percebem. O limiar entre a vida e a morte, entre o corpo e o não-corpo, entre o humano e o super-humano é muito mais vasto.

Do mais inovador que vejo hoje a arte mais ligada à vida (ou à morte)é a chamada bio-arte, ou arte genética, e até arte transgênica. Dos trabalhos mais famosos de Eduardo Kac, um artista brasileiro atuante no exterior, é o coelho verde. Não, não aplicou o Garnier Nutrisse Rubi 666 no bicho, ele fez um "inbreeding" mesmo e conseguiu um coelho com pelagem verde. Ele vai a fundo na questão do corpo e a possibilidade de transformá-lo, de não aceitar o "pacote original". Ao invés de ilustrar ou representar essas mudanças, ele vai fundo na questão laboratorial dessa arte e tem conseguido gerar debates interessantíssimos e controversos como resultado. Até onde ele pode ir, onde são as barreiras éticas de manipulação genética como obra de arte e experimento?

Tem outro maluco brincando de vida e morte por aí. É o médico Gunther von Hagen, que inventou uma técnica nova de embalsamar cadáveres chamada "plastinação". O genial está no fato dele expôr esses corpos plastinadas em exposições em museus. Ele monta esses cadáveres em posições que lembram grandes obras de arte, variando e Velàzquez a David, e outras coisas inventadas. E usa também cadáveres de gorilas plastinados, cavalos, e outros animais além de, claro, muita gente morta. É um espetáculo grotesco mostrado em museus onde o grande público-alvo são criancinhas. Alguns chamam ele de Mengele da morte, outros acham ele simplesmente um médico genial que decidiu tirar a sua "arte" do laboratório e oferecer as suas descobertas e brincadeiras num grande show macabro. Eu pago o ingresso para ir ver os corpos, e você?