Nos últimos 2 anos em que estive mais envolvida com as artes plásticas, tenho ouvido à exaustão o desabafo de fotógrafos de carreira que se indignam pela falta de qualidade e pelos preços altos de fotografias feitas por artista plásticos e que, segundo eles, contém baixíssimo valor fotográfico mas têm maior espaço no ambiente das exposições. Queixam-se principalmente do desprezo à técnica e à artesania do meio fotográfico, da pretensão decorrente da falta de experiência, e da falta de conhecimento de um meio que, até bem pouco tempo, desenvolvia-se paralelamente aos meios tradicionais (pintura, escultura) e faziam parte de um mercado marginal, não reconhecido plenamente como arte.
Para a grande ironia do destino, nos últimos anos isso têm mudado drasticamente. Praticamente tudo o que se vê nas exposições de arte contemporânea no Brasil e no mundo é a ostentação da fotografia como mídia principal das obras. A pintura, soberana por tantos séculos, caiu na marginalidade a ponto de alguns artistas jovens começarem suas declarações com a frase "quando eu pintava..." (pasmem!) Hoje, pintar é considerado pelos conceitualistas e tecnologistas como algo arcaico e conservador, um hobby de senhoras idosas que substituem o afeto pela pintura e o fazem mediocremente. Só que são justamente essas pessoas imediatistas que são ignorantes do fato que a pintura ainda se faz presente e forte em outras partes do mundo.
Mas isso é assunto para outro post, estava falando da fotografia "ruim" que a gente vê por aí.
Meu marido é fotógrafo, e muitos de nossos amigos mais próximos também são. A grande maioria deles provém do meio fotojornalístico e não tem formação artística acadêmica (o que no fundo não é também nenhum problema). Com o recrudescimento do mercado editorial, muitos deles estão optando por iniciar uma carreira com seus trabalhos autorais, e assim, em meio de carreira, deparam-se com o meio das artes plásticas e suas vicissitudes de mercado em relação à fotografia. Se antes para eles a fotografia pura e clássica, a "apreensão do momento" e a vivência da foto-notícia eram o que determinavam o trabalho, agora todos têm que aprender questões das artes plásticas (que são universais) e inseri-las na fotografia para tornar o seu trabalho autoral crível de acordo com novos termos. Questões de escala, desenvolvimento de uma poética, técnicas de instalação, experimentação com novos elementos, começam a entrar na vida dos projetos. Neste novo ambiente, o tom de crítica é completamente diferente do mercado editorial e publicitário, porque vem com outras exigências, e exigências um tanto rígidas. Enfim, é como se mudassem de profissão sem ter que mudar o equipamento.
O que me cansa nesse debate se fotografia é ou não é arte é que acho que isso é uma questão ultrapassada. Na última Arco 2004, grande feira de arte mundial onde são exibidos trabalhos dos artistas representados por centenas de galerias, a fotografia reina absoluta como meio mais utilizado. E não é só na arte que se vê isso, a fotografia está em todo o ambiente urbano por meio da publicidade, nos jornais, revistas, da televisão e do cinema, em suma, a presença plástica mais unânime e mais globalizada é sem dúvida a fotografia. E por isso mesmo não entendo porque os fotógrafos ainda têm uma grande dor-de-cotovelo em relação ao "state of affairs" da arte contemporânea. Nós pintores é que devíamos estar revoltados por termos sidos dessacralizados pela tecnologia, ainda que ainda sejamos valorizados no mercado de arte. Mas nem só de mercado vive a arte, existe um fenômeno claro que nos leva à fotografia e ao vídeo, e cada vez mais a arte transgênica, net-art, e outros gêneros híbridos cuja presença não podemos negar. O pensador ou artista que negar este fenômeno no futuro corre o risco de ficar no lado obscuro da história. Mas a fotografia, nesse sentido, só apresenta vantagens! É o meio mais maleável e mais instantâneo que existe. É impossível que a fotografia "fique para trás".
Então acho que esse questionamento da fotografia ser arte ou não é cansativo e improdutivo. E esse questionamento sempre parte de um fotógrafo. Os artistas plásticos são muito mais tolerantes nessa questão porque têm uma postura inclusivista e não exclusivista da arte como um todo e de todas as suas possibilidades.
Imaginemos a situação inversa. Por alguma razão, todos os fotógrafos largam a fotografia e resolvem fazer pintura. O que acontece naturalmente é que a pintura vai sofrer uma mudança radical pois os fotógrafos vão trazer novos inputs. Os pintores inicialmente vão espernear, xingar, chamá-los de ignorantes e iconoclastas, mas depois de um tempo se apropriariam dessa nova estética para daí iniciar um debate sobre uma nova pintura. É, a recíproca é verdadeira....
Talvez, o que falta aos fotógrafos é darem uma "resposta" a essa nova fotografia aparentemente "ruim" e "mal-feita" e dialogar com ela. Uma crítica sobre a Arco 2004 diz: "...mi mayor duda es si esta eclosión de obras sobre soportes fotográficos supone un mayor conocimiento y respeto por el medio fotográfico. Una cosa es usar la facilidad actual que da la tecnología fotográfica para obtener imágenes a gran tamaño y otra hacer fotografías interesantes. Muchos artistas que nunca se habían planteado usar este medio, y que no conocen mínimamente la historia de la Fotografía, descubren un día que no necesitan mancharse las manos con pigmentos y óleos, sólamente con una pequeña camara digital pueden generar archivos que bien impresos en una ampliadora tipo Lambda pueden llegar hasta tamaños similares a los de sus lienzos... ¡y con mucho menos esfuerzo!.l problema de fondo es que al desconocer la historia del medio nos pretenden vender ideas e imágenes que estaban ya más que superadas.
Sim, pelo desconhecimento do meio pode-se chegar a conclusões e resultados comuns, ultrapassados, repetindo o passado e caindo no nada. Então, peço para os fotógrafos que nos elucidem ou nos mostrem os próximos passos da fotografia, que nos ensinem a olhar a fotografia como ela deve ser vista, o que faz de uma foto um boa foto e o que faz uma foto ser ruim. Melhor do que isso, nos mostrem trabalhos que realmente exemplifiquem a sua revolta sem botar a culpa no photoshop ou no artista plástico oportunista que fez uma foto "nas calças".
O que me parece é que a revolta dos fotógrafos parece uma questão de gueto. É necessário que se abra um debate sério sobre os rumos da fotografia para que possamos prosseguir com o andamento da arte e seus maravilhosos desdobramentos e descobertas.
Eu particularmente adoro fotografia, e mesmo não tendo formação em fotografia (sou formada em desenho) não abro mão da possibilidade de usar a fotografia como bem entendo. É claro que o meu desejo é sempre fazer trabalhos com a maior qualidade possível. E por justamente não saber fotografar direito ou com propriedade é que me aproprio dela ou corto em pedacinhos para depois fazer uma pintura que se baseia em fotografia, mas que no fundo é um debate meu com a pintura num momento em que a pintura não precisa mais de tinta para ser feita.
E vocês, o que acham? é arte ou não é? ( parece até coisa de Chacrinha....)
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