26.4.04

Você não é Contemporânea

Há uns 3 anos atrás botei na cabeça que tinha que largar definitivamente a vida de executiva para me dedicar à arte. Até então, além de ter feito faculdade de arte, estava muito timidamente pintando aquarelas (que adoro) dos meus gatos, além de popular alguns sketchbooks com idéias esparsas que vinha reciclando da minha vida de estudante.

Achei que tinha que voltar a me engajar com a arte e o meio mais rápido de acelerar e melhorar a minha produção era de procurar os melhores mestres disponíveis e participar nos famigerados "grupos de estudo".

O primeiro comentário que recebi foi: "seu trabalho não é contemporâneo."

A minha primeira reação foi perguntar: "porque não é contemporâneo? aliás, o que é ser contemporâneo?"

Obviamente não recebi uma resposta à altura, recebi uma resposta do tipo, "dá pra sacar quando o trabalho é contemporâneo ou não. e esse seu trabalho definitivamente não é."

Depois de chutar 3 postes e o meu gato de raiva, comecei a encher o saco dos meus amigos para ver se alguma alma poderia me explicar, de maneira adulta, o que exatamente é esse tal "ser contemporâneo". Mas durante meses ninguém conseguia me responder com convicção. Estava começando a desenvolver um certo cinismo até ouvir a primeira resposta satisfatória: "ser contemporâneo é absorver todo o legado e os métodos desenvolvidos pelos modernistas e adicionar a esses ensinamentos uma qualidade mais pragmática e mais viva, ou seja, a arte contemporânea é a arte moderna só que menos distanciada da experiência real da vivência do artista."

Comecei a me perguntar o que 1) era o legado modernista e seus métodos, e 2) o que é um experiência real da vivência do artista, ou seja, da minha vivência, e como posso inserir a minha experiência como uma questão no meu trabalho de arte.

Deu pra entender o papo-cabeça? Não? Então vamos mais adiante.

O legado modernista é gigantesco. A revolução dos modernos começando por Cézanne e depois com o cubismo foi uma ruptura total com o que lhes antecedeu. Depois dels, fez-se de tudo, em quebrar e achatar o plano, em atingir a abstração pura, em vasculhar as profundezas do inconsciente, em dessacralizar a pintura, em criar novas formas de esculpir, em usar latas de sopa de tomate como assunto, e por aí vai. Os métodos são dos mais variados, desde os ensinos da Bauhaus até a teoria de cor revolucionária de Albers. Ok, isso aprendi nas aulas de história da arte.

O bicho pega quando chega na minha vivência e como isso se integra aos ensinamentos prévios. Primeiro tive que fazer um retrato psiquiátrico de mim mesma, tarefa complicada. Depois tive que entender o que era a tal da minha "vivência", basicamente fazer uma lista extensa sobre todas as minhas crenças, opiniões, posições políticas, sensações de lugares que estive, reações a coisas que vivi, etc. Nada fácil.

Ao final dessa fase introspectiva me perguntei se a minha vivência representava algo de significante para outras pessoas. Nunca fui exilada política, nem militante, não tenho defeitos físicos que tenha que superar, não sou homossexual nem tenho aids, não sou minoria racial, e não tenho nenhum drama pessoal ou de infância que se resolva na minha arte. Muitos artistas como Basquiat, Keith Haring, e outros usaram a sua condição social como agente definidor de sua arte, mas se for pensar assim não tenho o que recorrer. Pode parecer superficial ou coisa de nerd, mas a minha experiência mais intensa com algo que considero um fenômeno mundial é a Internet. Óbvio que tenho as minhas questões enquanto mulher, esposa, artista, mas não as acho nada demais. Devido ao meu antigo emprego passava 24 horas por dia pensando em Internet porque simplesmente era paga para fazer isso. De obrigação passou para hábito, de hábito passou para obsessão. Eureka, descobri que o meu trabalho seria juntar arte com internet, arte com meios de comunicação, e, bem, é o que acabei de expor na minha primeira individual, inaugurada há uma semana atrás, na Galeria ArtexArte em Buenos Aires.

Será que agora entrei para o seleto clubinho dos Contemporâneos?

Pouco me importa. Só sei que gosto muito do meu trabalho, contemporâneo ou não. Aliás, tenho um fotolog onde publico diariamente, e um projeto de "net-art", ou seja, arte que se faz em rede, o fotolog IDCard. E muitas outras coisas que ainda estão por vir.